sexta-feira, 18 de julho de 2008

Como ver o texto do aluno com olhar de professor-pesquisador

Clotilde S. Belo Mazochi


“ O professor que não tem preparo para entender o fenômeno da mudança lingüística com a mesma naturalidade que entende o fenômeno da evaporação ou da condensação da água é presa fácil de uma teorização preconceituosa dos fatos de língua.”
(Miriam Lemle)


Na análise do texto da criança é importante que não se contemple apenas os aspectos ortográficos, mas também de textualidade, uma vez que conforme a finalidade do texto, poderão ser permitidos usos de formas variadas.

Tomemos como exemplo o texto publicitário. No slogan da Caixa Econômica Federal : “Vem pra Caixa você também, vem,” o uso do imperativo está em desacordo com a Gramática Normativa. Conforme a Gramática deveria ser “venha”. No entanto, nesse caso é aceitável porque se trata de uma propaganda que tem como intuito chamar a atenção do leitor e cliente, não é porque o agente publicitário desconhece a forma padrão. Assim acontece com o “Faz um 21”, o qual a forma correta seria “faça”, e assim também ocorre em diversas músicas e textos literários.

Dentro da concepção de letramento, é fundamental que sejam bem exploradas as finalidades de cada texto com os alunos. E é também importante lembrar que a revisão e a reescrita do texto fazem parte da produção textual. Pois nem nós temos um texto acabado logo na primeira versão. É de extrema importância que o professor tenha isso em mente, pois muitas vezes o aluno tem seu texto como acabado e corrigido (e às vezes até avaliado com uma nota), sem ao menos ter tido a chance de revisá-lo e reescrevê-lo.

“A produção de um texto escrito envolve problemas específicos de estruturação do discurso, de coesão, de argumentação, de organização das idéias e escolha das palavras, do objetivo e do destinatário do texto, etc. Por exemplo, escrever um bilhete é diferente de escrever uma carta, uma notícia, uma propaganda, um relato de uma viagem, uma confissão de amor, uma declaração perante um tribunal, uma piada, etc. Cada texto tem sua função, e todas essas formas precisam ser trabalhadas na escola” (Cagliari, Alfabetização e Lingüística, p.122). Tendo isso em vista, o comando e as orientações dadas pelo professor, para produção de texto, devem ser bem claras ao aluno.

É importante que, antes de qualquer correção no texto da criança, seja observado o contexto da produção textual, que tipo de texto é, qual a finalidade e quem vai lê-lo. E também por esse motivo “não podemos classificar um texto de certo ou errado da mesma maneira que podemos avaliar uma conta de matemática ou a ortografia de uma palavra como certas ou erradas. Há sempre a interferência do sujeito da linguagem, do autor, na construção da textualidade.” (Coroa, Alfabetização e Linguagem – fascículo 7).

Partindo desses princípios, nesta oficina analisaremos dentro de algumas produções, alguns “erros” de estruturação e outros de ortografia elencados por Cagliari em suas obras “Alfabetização e Lingüística” e “Alfabetização sem Bá-bé-bi-bó-bu”. Apesar de o autor utilizar o termo “erro” em suas obras, prefiro chamar de hipóteses, pois é construindo e desconstruindo suas hipóteses, que a criança atinge sua competência lingüística. O “erro” nada mais é que uma parte do processo de aprendizagem. Com isso ele assume um papel fundamental na produção textual.

Hipóteses na estruturação dos textos escritos

1. Variação Lingüística – Ex: pobrema, barrer, arriba
2. Uso de pronomes – Ex: Eu vi ele
3. Sintaxe
4. Repetição
5. Frases soltas – coerência;
6. Coesão;
7.Caligrafia

Hipóteses ortográficas

1. Transcrição fonética – escreve como fala
2. Uso indevido de letras – xata/chata; dici/disse
3. Hipercorreção – jogol/jogou
4. Modificação da estrutura segmental das palavras
a- troca de letras: voi/foi; bida/vida; save/sabe; anigo/amigo
b- supressão e acréscimo de letras: macao/macaco; sosato/susto
5. Juntura intervocabular e segmentação
Ex.: “eucazeicoéla” (eu casei com ela)
“Jalicotei” (já lhe contei)
6. Forma morfológica diferente ou Dialetalidade
Ex.: adepois (depois)
Ni um (em um ou num)
7. Forma estranha de traçar as letras
8. Uso indevido de letras maiúsculas ou minúsculas
9. Acentos gráficos
10. Sinais de pontuação
11. Problemas sintáticos
Ex.: “era uma vez um gato que um dia ele saiu de casa”

Dessa maneira, nosso olhar diante do texto do aluno tem que ser sensível a suas hipóteses e a partir delas fazermos uma intervenção adequada a cada uma ou até mesmo a cada aluno(a), se for o caso. Sendo assim, não é justo atribuir uma nota ou reprovar a criança porque apresentou “erros” ortográficos os quais qualquer adulto escolarizado pode cometer, até porque nossa língua é arbitrária em muitos aspectos e um deles é a Ortografia. É comum só observar os “erros” e dar evidência a eles, e assim desmotivar o aluno sem apresentá-lo suas qualidades enquanto escritor. “Os acertos em geral não são levados em conta, são admitidos como absolutamente previsíveis... agora, os erros pesam toneladas nas avaliações...”(Cagliari:146)





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e lingüística. São Paulo, Scipione.
__________________Alfabetização sem bá-bé-bi-bó-bu.São Paulo, Scipione.
COROA, Maria Luiza Monteiro Sales. Leitura, Interpretação e produção de textos no 3º e 4º ciclos. Brasília: CFORM, UnB, 2008. (Coleção Alfabetização e Linguagem, 2)
LEMLE, Miriam. Guia teórico do alfabetizador. São Paulo, Ática, 1993.
PEREIRA, Ana Dilma de Almeida. O tratamento do “erro” nas produções textuais: a revisão e a reescritura como parte do processo de avaliação formativa. Revista ACOALFAplp: Acolhendo a Alfabetização nos países de Língua Portuguesa. São Paulo, ano 2, n.3, 2007. Disponível em e ou <
http://www.acoalfaplp.org>. Publicado em: setembro 2007.
PRÓ-LETRAMENTO, Programa de Formação Continuada de Professores dos Anos/Séries Iniciais do Ensino Fundamental: Alfabetização e Linguagem. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007.

Comentário sobre a origem desse texto


Esse material já é fruto do Curso, pois foi elaborado para uma Oficina de Análise Linguística (a convite da coordenadora Hélia Cristina) dentro de um evento chamado Oficina de Produção de Texto, feito na DRE de São Sebastião, para professores de 3 e 4 série, no dia 3/7/2008. Uma das cursistas, professora Maria Arlete, de 3 série, ministrou uma oficina de refacção textual. Em seus relatos nos encontros ela sempre cita sua prática com seus alunos e vejo o quanto se dedica a produção dos alunos, incentivando, dando suporte e fazendo o que tanto lemos dentro da teoria do letramento. Então, como fui convidada a realizar uma Oficina, também a convidei para participar do evento fazendo outra, uma vez que estava precisando de mais uma. No total foram quatro: Análise Lingüística - Prof. Clotilde; Refacção textual -Prof. Maria Arlete; Tempestade de idéias -Prof. Marcelo e Coesão e Coerência Textual - Prof. Hélia Cristina (coordenadora de 3 e 4 série da DRE de São Sebastião).

Os professores gostaram muito. Percebi na minha Oficina, que muitos desconhecem certas teorias e reforcei a importância da formação continuada, (estou até um pouco chata nisso, não sei como o pessoal tem me tolerado). Mas vi algo bastante positivo, eles estavam abertos à questão do Letramento e da Variação Lingüística. Percebi naquele grupo de professores uma sede por trabalhos nesse enfoque, pois eles mesmos dizem que quase não são oferecidos cursos para 3 e 4 série. Tenho de fato reparado isso e vejo como uma grande falha, pois há um investimento na formação continuada de professores de 1 e 2 séries e mudanças no que tange a série ou ciclo, ou seja, na metodologia, e quando se chega nas séries seguintes, o professor não faz idéia de como vai continuar esse trabalho, aliás, muitas vezes ele nem sabe como foi o trabalho realizado nas séries anteriores. Quando se fala em séries finais, aí é que a coisa se complica mesmo, pois a mudança vai desde a metodologia até o processo de avaliação, que nas séries iniciais deve ser qualitativo (relatórios descritivos) e nas finais é basicamente quantitativo.

Em virtude disso, vê-se a importância do diálogo entre as etapas de ensino, e que esse diálogo se estenda à elaboração dos cursos de formação continuada e ao próprio sistema avaliativo, pois se há uma quebra brusca entre as séries iniciais - e me permito dizer que há até dentro das iniciais - é porque o próprio sistema de ensino permite isso. É importante que tenhamos consciência de como nosso aluno passou pelas séries iniciais. Nas minhas turmas tem sido muito bem explorada essa questão, pois felizmente o curso foi ampliado para professores de 3 e 4 série, o que só serviu para somar e enriquecer nossos encontros. Muitos professores, ou arrisco dizer, nenhum de séries finais, sabia que a avaliação das séries iniciais é feita mediante um relatório descritivo. São esclarecimentos como esse que estã tornando o Curso cada vez mais eficiente e produtivo, uma vez que de nada adianta termos um trabalho de Letramento excelente e ótimos cursos como Profa, Bia, Vira-Basília, se não envolvermos os professoes de 3 e 4 série, e por conseguinte, é claro, os de séries finais.

Nenhum comentário: