sábado, 18 de outubro de 2008

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

MEMORIAL


Entrei na escola só aos sete anos de idade. Até então, todo contato que tinha com material escrito e leitura foi em casa, com meus pais e irmãos. Um fato o qual não posso deixar de mencionar é que tenho uma tia que é professora de História, hoje já aposentada. Sempre fomos muito ligadas, principalmente porque ela não teve filhos. A presença dela em minha vida me influenciou muito no que diz respeito à leitura. Com muita freqüência eu ia à sua casa a qual era também dos meus avós maternos. Foi lá que conheci Chico Buarque e outros cantores da música brasileira. Além disso, havia uma estante com muitos livros e algumas vezes eu os folheava por curiosidade.
Aprendi a ler e escrever em casa com minha mãe. Eu tinha muita vontade de aprender e muitas vezes tirava minha mãe de suas obrigações domésticas para me ensinar. Usávamos uma cartilha que era da minha irmã mais velha que fazia magistério. Devo ressaltar que venho de uma família de sete irmãos, na qual as cinco mais velhas são do primeiro casamento e eu e meu único irmão somos do segundo e último casamento do meu pai. Por isso nunca fui muito fã dos contos de fada com madrastas, pois minha mãe era madrasta das minhas irmãs e tudo aquilo confundia um pouco minha cabeça, até porque em muitas brigas elas chamavam minha mãe de bruxa.

O primeiro contato, que me lembro, com a escrita convencional foi com um livro de receitas dos meus pais – meu pai também cozinhava, fazia pães e bolos deliciosos – o qual tinha o nome Receitas da tia Dolores, de capa dura e tinha 3 volumes. Havia nele algumas receitas com foto de artistas, pois estas levavam seus nomes, como por exemplo “suflê Erasmo Carlos”. Tínhamos uma vitrolinha “Sonata” na qual escutávamos uns disquinhos de histórias. O que mais ouvíamos era o da Bela e a fera. Era um disco pequeno e da cor verde limão.

Minha mãe contava histórias para mim antes de dormir. Mas na verdade eu sempre queria a mesma, a da Gata borralheira. Lembrando-me disso entendi porque as crianças pedem que repitamos várias vezes a mesma história, porém ainda não sei o porquê dessa insistência, deve ser porque se sentem mais íntimas com aquilo que já conhecem. A parte da história que eu mais gostava e ficava doida para que chegasse a hora era a da varinha de condão. Não me lembro dos detalhes da história, mas sei que era diferente de todas que já ouvi. Isso é tão maravilhoso, é como se aquela história minha mãe a tivesse criado só para mim e hoje ela é uma marca só nossa.
Comigo a coisa fugiu um pouco do padrão porque eu é que pedia para minha mãe me colocar na escola. Não sei ao certo o motivo pelo qual ela hesitava em me matricular. Não tínhamos condições de estudar em escola particular e a escola pública só recebia alunos a partir dos 6 anos, série que chamavam de pré-escola, o famoso “presinho”. Mas finalmente chegou o grande dia em que conheci esse mundo escola. Fui para a Escola Classe Zoobotânica, na Candangolândia, onde eu morava. A escola era feita de lata.

Nos primeiros dias de aula, apesar de tanto insistir para ir à escola, chorava muito quando minha mãe ia embora. Fui para uma turma do Pré. No entanto, achava tudo muito sem graça porque eu já sabia tudo aquilo, pois já era alfabetizada. A professora ainda estava ensinando as formas e cores. Então, não sei se foi a professora que percebeu ou minha mãe que conversou com a diretora, mas fiz um teste na sala da direção para verificar se eu estava apta para cursar a primeira série. Foi engraçado esse teste, parecia um exame psicotécnico. Passei e fui para a primeira série. É um pouco chato chegar numa turma já formada, mas a professora Marta me acolheu bem. Não tenho lembrança de biblioteca nesta escola, na qual estudei até a segunda série. Na terceira fui para uma outra próxima e na quarta série voltei para a minha escolinha de lata. Um aula que me marcou foi na quarta série, em que as professoras – havia duas professoras, uma para Matemática e Estudos Sociais e outra para Português e Ciências – levaram um frango com todas as suas partes para estudarmos os órgãos do corpo humano. Os alunos ficavam numa rodinha, sentados no chão e a professora passava cada parte do frango numa bacia para observarmos e nos explicava as funções de cada uma. Sempre amei as aulas de Ciências, tanto que meu primeiro vestibular foi para Biologia. Ainda é uma área que gosto muito.
Ainda na quarta série, lembro-me de um livro, do qual não tenho certeza, mas acho que se chamava “ O Barquinho amarelo”. Era a história de um menino loiro que fazia um barquinho de papel e o colocava na água. Era uma história curta e que eu me lembre foi o primeiro livro literário oferecido pela escola para a leitura. Meus pais tiveram pouca escolaridade e em casa não tínhamos muitos livros infantis, por isso meu contato com livro literário foi basicamente na escola.

Da 5a a 8a série estudei na Escola Classe 2 da Candangolândia, hoje Centro de Ensino Médio. Nessa etapa li muitos livros. Alguns da coleção Vagalume, como “O mistério do Cinco Estrelas” que me envolveu bastante com seu suspense. Outro que gostei muito foi “Açúcar Amargo”, história de uma menina bóia-fria que trabalhava num canavial do interior de São Paulo. Um livro que fez muito sucesso entre as meninas foi “A marca de uma lágrima” e que eu também gostei e sofri muito com a personagem. A partir da sétima série passei a descobrir meu gosto pela escrita. Uma professora que me marcou foi a Delenir, de Português, a qual valorizava nossas produções e nos incentivava a escrever. Até hoje tenho um caderno de redação usado na sétima série, com produções diversas. Fico rindo da minha caligrafia e dos meus “erros” de grafia. Na oitava série a turma teve que ler um livro que tinha o título “A irmã de Simplício”. Creio que foi alguma doação que a escola recebeu, pois tinham vários exemplares e era um livro de edição bem antiga. O que me marcou na leitura desse livro foi o fato de ter meu sobrenome. Foi uma gozação na turma, já não bastava o tanto que tive que agüentar com a professorinha Clotilde e o Sassá Mutema. Mas enfim, era uma história bonita e triste. Às vezes me acho um pouco melancólica, pois até hoje gosto de histórias tristes e de sofrimento. Também na oitava série li alguns clássicos da literatura brasileira, como O cortiço, Um certo capitão Rodrigo, Iracema e outros.

Nessa escola havia uma biblioteca na qual pegava livros emprestados e fazia pesquisas e trabalhos. Era uma biblioteca organizada e com um acervo razoável. Lembro que houve uma votação para a escolha do nome dela e o nome vencedor foi Rachel de Queiróz. Algo que me marcou bastante na oitava série foi um livro que escrevi. A professora de Artes propôs que cada aluno produzisse uma história, isto é, um livro. O meu se chama “A liberdade de um amor” e ainda o tenho guardado e penso em algum dia editá-lo, quem sabe... Mas o que me fez guardar com carinho esse livro foi uma mensagem que a professora escreveu nele. Aliás, foi isso que fortaleceu meu gosto pela escrita. É bom quando nós professores percebemos o quanto é importante o papel do educador na formação dos leitores e escritores. Um pequeno elogio pode fazer uma grande diferença, e uma crítica mal feita pode acabar com um futuro escritor. Até hoje gosto de escrever, mas sei que tive sorte em encontrar professores que me incentivaram.

Do Ensino Médio tenho muitas recordações maravilhosas, pois fiz magistério na Escola Normal de Brasília de 1993 a 1995. Tive o privilégio de estudar com excelentes professores, inclusive há alguns dias, encontrei uma professora que trabalhou lá que me revelou que naqueles anos a escola estava recebendo um bom grupo de docentes, com uma ótima formação, além de passar por mudanças em seu Currículo. Por incrível que pareça não tenho muitas lembranças das leituras que fiz nesse período, aliás, lia muitos textos acadêmicos, na área de pedagogia, mas não me lembro de ter lido muitos textos literários. Fiz a leitura do livro “Capitães da areia”, de Jorge Amado, o qual não tive uma boa impressão e por isso ainda hoje não tenho interesse pelas obras desse escritor. Li também “Olhai os lírios do campo” e gostei muito. Uma professora que me marcou foi a professora de Biologia, Diana, a qual me deu aula no primeiro ano. Tínhamos aula no laboratório onde fazíamos estudos com microscópio. Eu achava o máximo, conseguir ver algo invisível como as células. Admirava tanto aquela professora, seus cabelos negros como os da Perla – cantora que marcou minha infância – e uma mulher tão inteligente. No entanto, um dia tive uma triste notícia: a professora Diana havia se suicidado. Não consegui acreditar, ficava pensando, aquela mulher tão linda e competente, tão bem sucedida, não poderia ser possível, então me questionava várias coisas que só entendemos em determinado tempo da nossa vida, ou às vezes nunca.

No magistério tinha bastante contato com literatura infantil e lá já se falava em preconceito lingüístico nas aulas de Didática da Linguagem. Foi um período de muito aprendizado e amadurecimento, tanto pessoal como profissional. A Escola Normal de Brasília, da qual brincávamos ser anormal, deu-me também algo de muito precioso, minhas melhores amigas, com as quais sempre fazia trabalhos e seminários. Não foi só na graduação que fui fazer seminários, já no magistério tínhamos muitos trabalhos nesses moldes, afinal, estávamos nos formando professores de pré à quarta série. Estudávamos Química e Física somente no primeiro ano. E essas eram as disciplinas as quais achava inúteis. Mas hoje, sei que são importantes, a forma como o professor ensina é que muitas vezes faz acharmos que são desnecessárias.
Bom, antes de chegar na graduação não posso deixar de falar de um professor de cursinho que me encantou e despertou uma grande paixão pela literatura, o professor Zé Roberto. Ele me apresentou a fantástica Clarice Lispector. A propaganda dele foi tão boa que logo comprei o livro “A hora da estrela”, do qual sou apaixonada. Ele dizia que para ler Clarice era preciso estar nu e totalmente despojado de si. A história de Macabéa me marcou. Mais uma vez uma história triste que mexeu comigo. Esse professor teve uma forte contribuição na minha decisão em fazer Letras.

Na graduação, cursei os dois primeiros semestres na Católica, onde tive o imenso prazer em ter aula com uma professora também apaixonada pela literatura, a Lívila. No terceiro semestre fui para a UnB. Um dos livros que gostei muito foi “Os sofrimentos do jovem Werther”, de Goeth. Também gostei muito de “Crime e castigo” e “Macário”. O que achei inusitado na graduação foi o individualismo. Não só porque sou um tanto quanto idealista, mas estava acostumada com o trabalho em equipe e depois tive que aprender, e ainda estou aprendendo, a produzir de forma individual. É claro que há parcerias mesmo que implícitas, mas é como se a partir do Ensino Superior a relação deixe de ser de parceria e passa a ser de concorrência. Essa é a parte chata de se tornar adulto num mundo capitalista. A própria maneira em que as turmas são dispostas já impede a unidade e a formação da equipe. Por isso que quando chegamos numa escola para exercer nossa profissão é tão difícil conseguir realizar um trabalho que envolva toda a comunidade escolar. Não aprendemos a trabalhar juntos em prol da mesma causa, pois cada professor tem um objetivo diferente e é isso que dificulta o alcance de tantas metas impostas pelas instituições do estado. Acredito muito no trabalho em grupo e desafio qualquer pessoa a me provar que o trabalho individual é mais eficaz e produtivo.
O curso superior deu-me um bom suporte profissional, mas foi na experiência em sala que pude colocar esse aprendizado na prática e pude descobri também que não posso parar nele. O trabalho como professora exige que estudemos continuamente e que estejamos sempre prontos a aprender algo novo. Dessa forma temos o valor da formação continuada, a qual nos permite nos avaliar e reconstruir nossa prática. Com a leitura, a cada dia aprendo mais e isso é que a torna encantadora e cheia de riquezas, pois:

A cada texto lido,
a cada material escrito,
temos um sentimento vivido.
Seja de dor
Seja de amor.
Não importa,
é no sentir
que se abrem portas.
Clotilde



segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Os intertextos do filme Narradores de Javé

Quando assistimos ao filme Narradores de Javé discutimos a questão do papel da escrita na sociedade. Os personagens se sentiam importantes em registrar sua históia naquele livro, pois na verdade era sua identidade que ia ali, seus antepassados, sua história. Era um texto científico e esse gênero nos remete a algo de muito valor social, uma vez que a históia só existe a partir da escrita, antes disso é só pré-história, como eu escrevi no relato sobre a visita à exposição Lusa - a matriz portuguesa. No entanto, o pesonagem de Antônio Biá foi excluído justamente por ser o únco a dominar a escrita na cidade. Com isso podemos dizer que a escrita só assume seu real valor numa comunidade, quando ela possui uma função social.
Além de discutirmos o papel da escrita, também levantamos muitos intertextos preentes na história. Um cursista comparou o filme com a história de um personagem famoso de São Sebastião, o Tião Areia, o qual é um senhor que ainda vive na cidade a qual possui uma praça que recebeu seu nome, pois é um dos moradores mais antigos. Ela ressaltou que na administração, nos documentos da história da cidade, não há nada registrado a seu respeito.

No filme há a presença de personagens (reais e fictícios) de outras histórias e contos, como a do herói medieal em seu cavalo branco, a do herói negro Zumbi dos Palmares, inclusive há uma cena em que aparece um quilombo. Também aparece a figura de Lampião ou outro herói sertanejo, como Idalécio e Maria Bonita como Maria Dina, representando a mulher sertaneja, a qual tem traços marcantes de amante e guerreira.
Características de contos fantásticos também são presentes na obra. As visões de Antônio Biá e as profecias de Maria Dina. Um símbolo que sempre aparece nos sonhos de Antônio Biá é a vela, a qual sabemos ter vários significados, a fé, esperança, luz, doação legítima a partir de sua auto destruição, na qual ela se consome para iluminar os caminhos, ou mesmo a simbologia do sagrado. E junto com a vela aparece a água, a inundação, na qual é o terror de todos os moradaores de Javé. O livro deve ser escrito para que se evite a inundação da cidade e consequentemente seu fim.

Os cursistas compararam a obra ainda com o livro de João Cabral de Melo Neto, Morte e vida Severina. O cursista Cido comparou o personagem de Biá ao Macunaíma, pois o primeiro tem características de um anti-herói, é considerado por todos o salvador, mas não consegue cumprir tal tarefa, sendo que também não é o vilão, e sim é mais uma vítima de um sistema que prioriza os interesses de uma minoria privilegiada. Biá também pode ser comparado à figura do malando João Grilo.

O filme apresenta um belo ensaio sobre a linguagem e sua ludicidade, na maneira do protagonista brincar com o ato de escrever e ao poetizar a respeito do papel e da tinta. Os seus escritos na parede, os poemas que faz, isso tudo mostra a relação dele com a escrita, sua defesa por uma língua que liberta e não que aprisiona. E ao final, quando ele faz aquele discurso aos conterrâneos, mostra-nos que mesmo essa competência lingüística, a qual nenhum outro morador daquela comunidade possui, não é o bastante para que permaneçam em suas casas. Isso mostra o diálogo que a obra faz com a teoria da Sociolingüística, pois segundo Bagno, no que concerne ao preconceito lingüístico, o importante não é o que se fala nem tampouco o como se fala, mas sim quem fala. Pois ele deixa claro em seu discurso que o povo estava agindo com muita ingenuidade ao achar que a escrita de um livro acabaria com um interesse político, aliás, que a história de Javé pudesse importar a alguém. Aquelas pessoas, infelizmente ainda, para a nossa sociedade, assim como chamou Biá, não passavam de um nada, de um povo anfíbio.

Manejando as palavras



Relato da cursista Liliana de São Sebastião


O manejo da palavra na leitura e na escrita
(Lucília Garcez & Margarida Patriota)

O encontro do dia 25 de setembro foi no auditório da Escola Parque 308 sul. As oradoras foram Lucília Garcez, uma mineira criada em Brasília, cidade que abriu os horizontes para o seu trabalho em favor da literatura e da língua portuguesa e é professora de Letras aposentada pela UnB e atualmente consultora na área de Educação - inclusive participa das escolhas dos livros didáticos no MEC - escreveu muitos livros infanto-juvenis e Margarida Patriota, carioca, professora da UnB e autora de ensaios, novelas, contos e livros juvenis. Também tem uma vasta experiência no exterior e apresenta um programa na TV Senado.
O encontro iniciou-se com o escritor João Bosco, consultor Legislativo, escritor e professor de prosa que foi o mediador do encontro. As escritoras falaram de suas vidas e experiências na área da leitura e escrita. A escritora Lucília contou sua experiência na época em que o ensino era “transmitido”, conta que vivenciou a “virada pedagógica”, na qual o texto passa a ser o centro, a escola privilegiando o uso da linguagem. Com a democratização do ensino ingressam nas escolas alunos que apresentam baixos níveis de letramento, vindos de famílias de analfabetos, diferentemente do que acontecia antes da democratização. O primeiro contato com a leitura vem das historinhas contadas pelos pais. Isso quando os pais são alfabetizados. A responsabilidade do professor que recebe esse aluno é respeitar as diferenças, a fala dos alunos, sotaques e desvios padrões, características regionais. Assim, o professor vai coordenar um trabalho onde cada um vai falar de si enriquecendo o conhecimento dos colegas, prevalecendo o respeito e as diferenças, uma “tolerância lingüística”. Lucília comenta também que desenvolveu as habilidades de leitura muito cedo, iniciou com os quadrinhos e romances. Aos 11 anos leu “Polliana”, em sua vida não tinha muito espaço para a TV.
A escritora Margarida Patriota também comentou um pouco a experiência que tem com a leitura, ao todo 28 anos de Mestrado e Doutorado. Faz palestras nas escolas até hoje e dá ênfase que, para escrever bem não é apenas ler bem e sim ler conteúdos relacionados ao interesse específico. O bom leitor tem o vocabulário rico, tem mais referências (cultura), interpretação de vida e até mais preparo para ler uma bula de remédio. Lendo para a platéia um livro- Nas tramas da emoção, a escritora sugeriu uma atividade que seria um concurso de poemas, com o intuito de ensinar à criança a dominar as convenções fonéticas-ortográficas e compreender que o mesmo som tem várias formas de ser registrado
Já a Lucília Garcez comentou que o texto literário tem tudo para o aluno aprender gramática: a língua oferece milhões de regências, estruturas que o aluno não vai ver na aula de gramática, na qual são ensinados 4 ou 5 verbos. Na leitura é possível internalizar esses verbos de foram mais rica, porém para isso vai ser preciso a prática da escrita. A escritora também mencionou o cuidado que se deve ter com a cobrança de fichas de leitura aos alunos, no lugar disso pode-se proporcionar um diálogo entre o leitor e autor do livro, podendo ser pedido uma crítica, confecção de um cartaz, um slogan, escrever uma carta para o autor. Precisa ser utilizado algo que estimule a leitura e não desmotive o leitor.
Ao final do encontro a escritora Lucília deixou uma sugestão para a escolha do livro didático: Verificar a adequação da linguagem, diversidade textual, deve conter sugestões de filmes, chats, livros e tudo o mais.
Para quem foi ao encontro valeu ouvir a experiência dessas escritoras com a leitura e escrita, refletir muito antes de escolher um livro didático ou até mesmo um simples texto e repensar a prática pedagógica, além de despertar a curiosidade na leitura do livro “Nas tramas da emoção”, de Margarida Patriota.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Seu Lunga - tolerância zero

Esse é o famoso personagem cearense o qual sou fã número 1. Êta homi bruto. Como diz minha mãe, é mais grosso que papel de enrolar prego. Olha só o que ele apronta, ou será que são os outros que aprontam com ele?

Seu Lunga chega num bar e pede uma caninha. O dono do bar diz a ele: "Ô seu Lunga desculpe mas acabou a luz." -Ele responde: "Eu vim aqui pra beber não foi pra tomar choque."
Outra:
Seu Lunga tá saindo da farmácia e um conhecido diz: "Tá doente seu Lunga?
E ele: "Então se eu tivesse saindo do cemitério eu estaria morto é?"

Resenha crítica de Raízes do Brasil




Resenha Crítica

Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda


O livro Raízes do Brasil traz, com todo um requinte literário , um olhar a respeito da formação do povo brasileiro e suas diversas implicações sociológicas, históricas, políticas, econômicas e antropológicas. Darei uma ênfase nas questões sociológicas e antropológicas, nas quais acredito estarem constantemente imbricadas.
O autor aborda a questão da colonização do Brasil numa perspectiva inovadora para a época, a qual rompe com paradigmas como o da miscigenação e do colonizador português, o qual é visto nas aulas de história de forma simplista, apenas como um europeu explorador. A obra traz um Portugal diferente do apresentado ao senso comum na história da colonização brasileira, um Portugal que não é Europa, uma vez que possui uma cultura distinta dos demais países europeus, apresentando um espírito expansionista de aventura e que desconhecia um sistema metódico para a conquista patrimonial.
Ele explora cada capítulo tomando como base clássicas dicotomias, como trabalho e aventura, mundo rural e urbano, sociedade civil e militar, trabalho braçal e intelectual, patrão e empregado, entre outras. A relação do brasileiro com o trabalho é justificada no texto pela forma em que se estabeleceu o vínculo patrão e empregado – a partir claro da relação senhor e escravo – uma vez que essa relação não se baseava apenas no fator econômico, pois o dono era também responsável moral pelo escravo perante a sociedade. O sentido de trabalho que o livro apresenta traz ao pé da letra a origem latina da palavra, a qual significa castigo. O trabalho braçal ficava para os escravos e colonizados. Afinal, a labuta era necessária para a exploração da terra e o enriquecimento dos colonizadores. Além do mais, os portugueses não estavam acostumados ao trabalho, àquele tipo de trabalho, mas sim a um espírito de aventura e empreendimento.
Ainda com relação ao trabalho, um intertexto fantástico que a obra sugere é a história de Macunaíma, a qual repousa na questão do nacionalismo brasileiro. A obra modernista também propõe a valorização do jeito de ser do brasileiro, o qual foi alterado com o processo de colonização, como apresentado na obra de Sérgio Buarque. Ainda hoje o brasileiro é visto como preguiçoso, festeiro e até descompromissado. Macunaíma já nasce com muita preguiça e sempre dizendo: “Ai que preguiça...” E isso nada mais é que uma provocação feita pelo autor. Dessa forma, ao ler a obra Raízes do Brasil, confirma-se que Mário de Andrade provoca e critica a sociedade daquela época, a qual massacrou toda uma cultura e um povo para favorecer seus interesses e ainda impôs uma maneira de se viver, bem como a criação literária. O fato de ser culturalmente diferente e de não ser escravizado assim como os negros, deu ao índio a fama injusta de preguiçoso, e não só a ele, mas a todos nós brasileiros, assim como é apresentado na obra Macunaíma.
Atualmente vivemos essa relação com o trabalho, o qual se difere e muito de serviço. Todos almejam ser servidores públicos, muitas vezes falamos que queremos ter um emprego, e não um trabalho. Esse fenômeno vai de encontro com o que o livro questiona: o trabalhador mecânico e o intelectual. Ninguém se torna bacharel para fazer trabalho braçal. Além disso, mais uma vez fazendo a referência de trabalho com castigo – também dada por Roberto da Matta – aquele que não se interessa pelos estudos resta-lhe fazer trabalho manual. E isso em nossa sociedade é colocado, principalmente na escola, como uma conseqüência triste e cruel àquele que não conseguir o anel de formatura. Ainda temos que seguir rituais metódicos para não ficarmos à margem nem sermos considerados preguiçosos, simplesmente porque queremos viver a vida sem ter que sempre estar em busca de algo novo para explorar e acumular riquezas. Na verdade, esse período de colonização descrito no livro, nada mais é que o anúncio desse feroz capitalismo, no qual o trabalho é ainda valorizado como algo que dignifica o homem, todavia só favorece uma minoria que está sempre a fugir dele, buscando funções cada vez mais burocráticas ou altos cargos em empresas privadas. Este último partindo-se de uma visão mais neoliberal, pois não podemos nos esquecer de que hoje a política é o enxugamento do estado, colocando mais e mais empresas terceirizadas no mercado.
Outro ponto bastante pertinente tratado na obra é a relação família e estado, na qual as duas esferas apresentam o homem cordial. Essa cordialidade é o berço da nossa política atual e das relações presentes em instituições públicas e privadas. O povo brasileiro precisou ser solidário e se ajudar mutuamente, tanto que essa é a nossa marca registrada, o “calor humano” e a solidariedade. No entanto, o comportamento dado na instituição família se estendeu ao estado, ou à rua. O vínculo afetivo ditou o tipo de relação existente entre as pessoas, mesmo que essa seja formal. Aliás, é justamente no âmbito formal que a cordialidade é mais evidente, embora não seja clara para muitos por ser algo já banalizado.
O autor mostra o quanto essa figura de homem cordial não possui nada de ingênuo, afinal é a partir dela que temos o fenômeno do coronelismo no Brasil, o qual existe ainda hoje nos centros urbanos. A figura do político como a de um pai que detém o poder e cuida do seu povo mantendo uma relação sempre de dependência (assistencial), configura a expansão da família para o estado, em que o cidadão recebe benefícios – vejamos a política varguista – porém, além de pagar por eles, continua dependente desse pai e até se sente muito bem e confortável em saber que tem alguém que cuida dele. É assim também no lar, a dependência não é de tudo ruim porque não exige muito esforço, apenas que se aceite o sistema. Caso se escolha outro caminho, será preciso conquistar a independência, o que talvez não seja ainda a opção da maioria dos brasileiros.
O livro aborda outras questões que compõem o panorama político e social do nosso país, desde a entrada dos portugueses em território brasileiro até a República. Ele apresenta esse panorama ao mesmo tempo, de forma descritiva e dialética, no qual há questões latentes que apontam a um novo paradigma no que tange a concepção dada ao Brasil-colônia e à relação entre colono e colonizado e entre senhor e escravo. Contudo, acredito que a leitura torna-se mais proveitosa mediante um maior conhecimento da História de Portugal, pois é justamente nesse Portugal que entra em nosso país que consiste a raiz do nosso Brasil.