sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Resenha crítica de Raízes do Brasil




Resenha Crítica

Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda


O livro Raízes do Brasil traz, com todo um requinte literário , um olhar a respeito da formação do povo brasileiro e suas diversas implicações sociológicas, históricas, políticas, econômicas e antropológicas. Darei uma ênfase nas questões sociológicas e antropológicas, nas quais acredito estarem constantemente imbricadas.
O autor aborda a questão da colonização do Brasil numa perspectiva inovadora para a época, a qual rompe com paradigmas como o da miscigenação e do colonizador português, o qual é visto nas aulas de história de forma simplista, apenas como um europeu explorador. A obra traz um Portugal diferente do apresentado ao senso comum na história da colonização brasileira, um Portugal que não é Europa, uma vez que possui uma cultura distinta dos demais países europeus, apresentando um espírito expansionista de aventura e que desconhecia um sistema metódico para a conquista patrimonial.
Ele explora cada capítulo tomando como base clássicas dicotomias, como trabalho e aventura, mundo rural e urbano, sociedade civil e militar, trabalho braçal e intelectual, patrão e empregado, entre outras. A relação do brasileiro com o trabalho é justificada no texto pela forma em que se estabeleceu o vínculo patrão e empregado – a partir claro da relação senhor e escravo – uma vez que essa relação não se baseava apenas no fator econômico, pois o dono era também responsável moral pelo escravo perante a sociedade. O sentido de trabalho que o livro apresenta traz ao pé da letra a origem latina da palavra, a qual significa castigo. O trabalho braçal ficava para os escravos e colonizados. Afinal, a labuta era necessária para a exploração da terra e o enriquecimento dos colonizadores. Além do mais, os portugueses não estavam acostumados ao trabalho, àquele tipo de trabalho, mas sim a um espírito de aventura e empreendimento.
Ainda com relação ao trabalho, um intertexto fantástico que a obra sugere é a história de Macunaíma, a qual repousa na questão do nacionalismo brasileiro. A obra modernista também propõe a valorização do jeito de ser do brasileiro, o qual foi alterado com o processo de colonização, como apresentado na obra de Sérgio Buarque. Ainda hoje o brasileiro é visto como preguiçoso, festeiro e até descompromissado. Macunaíma já nasce com muita preguiça e sempre dizendo: “Ai que preguiça...” E isso nada mais é que uma provocação feita pelo autor. Dessa forma, ao ler a obra Raízes do Brasil, confirma-se que Mário de Andrade provoca e critica a sociedade daquela época, a qual massacrou toda uma cultura e um povo para favorecer seus interesses e ainda impôs uma maneira de se viver, bem como a criação literária. O fato de ser culturalmente diferente e de não ser escravizado assim como os negros, deu ao índio a fama injusta de preguiçoso, e não só a ele, mas a todos nós brasileiros, assim como é apresentado na obra Macunaíma.
Atualmente vivemos essa relação com o trabalho, o qual se difere e muito de serviço. Todos almejam ser servidores públicos, muitas vezes falamos que queremos ter um emprego, e não um trabalho. Esse fenômeno vai de encontro com o que o livro questiona: o trabalhador mecânico e o intelectual. Ninguém se torna bacharel para fazer trabalho braçal. Além disso, mais uma vez fazendo a referência de trabalho com castigo – também dada por Roberto da Matta – aquele que não se interessa pelos estudos resta-lhe fazer trabalho manual. E isso em nossa sociedade é colocado, principalmente na escola, como uma conseqüência triste e cruel àquele que não conseguir o anel de formatura. Ainda temos que seguir rituais metódicos para não ficarmos à margem nem sermos considerados preguiçosos, simplesmente porque queremos viver a vida sem ter que sempre estar em busca de algo novo para explorar e acumular riquezas. Na verdade, esse período de colonização descrito no livro, nada mais é que o anúncio desse feroz capitalismo, no qual o trabalho é ainda valorizado como algo que dignifica o homem, todavia só favorece uma minoria que está sempre a fugir dele, buscando funções cada vez mais burocráticas ou altos cargos em empresas privadas. Este último partindo-se de uma visão mais neoliberal, pois não podemos nos esquecer de que hoje a política é o enxugamento do estado, colocando mais e mais empresas terceirizadas no mercado.
Outro ponto bastante pertinente tratado na obra é a relação família e estado, na qual as duas esferas apresentam o homem cordial. Essa cordialidade é o berço da nossa política atual e das relações presentes em instituições públicas e privadas. O povo brasileiro precisou ser solidário e se ajudar mutuamente, tanto que essa é a nossa marca registrada, o “calor humano” e a solidariedade. No entanto, o comportamento dado na instituição família se estendeu ao estado, ou à rua. O vínculo afetivo ditou o tipo de relação existente entre as pessoas, mesmo que essa seja formal. Aliás, é justamente no âmbito formal que a cordialidade é mais evidente, embora não seja clara para muitos por ser algo já banalizado.
O autor mostra o quanto essa figura de homem cordial não possui nada de ingênuo, afinal é a partir dela que temos o fenômeno do coronelismo no Brasil, o qual existe ainda hoje nos centros urbanos. A figura do político como a de um pai que detém o poder e cuida do seu povo mantendo uma relação sempre de dependência (assistencial), configura a expansão da família para o estado, em que o cidadão recebe benefícios – vejamos a política varguista – porém, além de pagar por eles, continua dependente desse pai e até se sente muito bem e confortável em saber que tem alguém que cuida dele. É assim também no lar, a dependência não é de tudo ruim porque não exige muito esforço, apenas que se aceite o sistema. Caso se escolha outro caminho, será preciso conquistar a independência, o que talvez não seja ainda a opção da maioria dos brasileiros.
O livro aborda outras questões que compõem o panorama político e social do nosso país, desde a entrada dos portugueses em território brasileiro até a República. Ele apresenta esse panorama ao mesmo tempo, de forma descritiva e dialética, no qual há questões latentes que apontam a um novo paradigma no que tange a concepção dada ao Brasil-colônia e à relação entre colono e colonizado e entre senhor e escravo. Contudo, acredito que a leitura torna-se mais proveitosa mediante um maior conhecimento da História de Portugal, pois é justamente nesse Portugal que entra em nosso país que consiste a raiz do nosso Brasil.


Um comentário:

Unknown disse...

Querida,boa noite. Se possivel, gostaria que vc informasse seu nome completo, o busquei em seu perfil, mas não consta. Usarei seu texto num artigo e preciso referencia-lo.
Grata!