Entrei na escola só aos sete anos de idade. Até então, todo contato que tinha com material escrito e leitura foi em casa, com meus pais e irmãos. Um fato o qual não posso deixar de mencionar é que tenho uma tia que é professora de História, hoje já aposentada. Sempre fomos muito ligadas, principalmente porque ela não teve filhos. A presença dela em minha vida me influenciou muito no que diz respeito à leitura. Com muita freqüência eu ia à sua casa a qual era também dos meus avós maternos. Foi lá que conheci Chico Buarque e outros cantores da música brasileira. Além disso, havia uma estante com muitos livros e algumas vezes eu os folheava por curiosidade.
Aprendi a ler e escrever em casa com minha mãe. Eu tinha muita vontade de aprender e muitas vezes tirava minha mãe de suas obrigações domésticas para me ensinar. Usávamos uma cartilha que era da minha irmã mais velha que fazia magistério. Devo ressaltar que venho de uma família de sete irmãos, na qual as cinco mais velhas são do primeiro casamento e eu e meu único irmão somos do segundo e último casamento do meu pai. Por isso nunca fui muito fã dos contos de fada com madrastas, pois minha mãe era madrasta das minhas irmãs e tudo aquilo confundia um pouco minha cabeça, até porque em muitas brigas elas chamavam minha mãe de bruxa.
O primeiro contato, que me lembro, com a escrita convencional foi com um livro de receitas dos meus pais – meu pai também cozinhava, fazia pães e bolos deliciosos – o qual tinha o nome Receitas da tia Dolores, de capa dura e tinha 3 volumes. Havia nele algumas receitas com foto de artistas, pois estas levavam seus nomes, como por exemplo “suflê Erasmo Carlos”. Tínhamos uma vitrolinha “Sonata” na qual escutávamos uns disquinhos de histórias. O que mais ouvíamos era o da Bela e a fera. Era um disco pequeno e da cor verde limão.
Minha mãe contava histórias para mim antes de dormir. Mas na verdade eu sempre queria a mesma, a da Gata borralheira. Lembrando-me disso entendi porque as crianças pedem que repitamos várias vezes a mesma história, porém ainda não sei o porquê dessa insistência, deve ser porque se sentem mais íntimas com aquilo que já conhecem. A parte da história que eu mais gostava e ficava doida para que chegasse a hora era a da varinha de condão. Não me lembro dos detalhes da história, mas sei que era diferente de todas que já ouvi. Isso é tão maravilhoso, é como se aquela história minha mãe a tivesse criado só para mim e hoje ela é uma marca só nossa.
Comigo a coisa fugiu um pouco do padrão porque eu é que pedia para minha mãe me colocar na escola. Não sei ao certo o motivo pelo qual ela hesitava em me matricular. Não tínhamos condições de estudar em escola particular e a escola pública só recebia alunos a partir dos 6 anos, série que chamavam de pré-escola, o famoso “presinho”. Mas finalmente chegou o grande dia em que conheci esse mundo escola. Fui para a Escola Classe Zoobotânica, na Candangolândia, onde eu morava. A escola era feita de lata.
Nos primeiros dias de aula, apesar de tanto insistir para ir à escola, chorava muito quando minha mãe ia embora. Fui para uma turma do Pré. No entanto, achava tudo muito sem graça porque eu já sabia tudo aquilo, pois já era alfabetizada. A professora ainda estava ensinando as formas e cores. Então, não sei se foi a professora que percebeu ou minha mãe que conversou com a diretora, mas fiz um teste na sala da direção para verificar se eu estava apta para cursar a primeira série. Foi engraçado esse teste, parecia um exame psicotécnico. Passei e fui para a primeira série. É um pouco chato chegar numa turma já formada, mas a professora Marta me acolheu bem. Não tenho lembrança de biblioteca nesta escola, na qual estudei até a segunda série. Na terceira fui para uma outra próxima e na quarta série voltei para a minha escolinha de lata. Um aula que me marcou foi na quarta série, em que as professoras – havia duas professoras, uma para Matemática e Estudos Sociais e outra para Português e Ciências – levaram um frango com todas as suas partes para estudarmos os órgãos do corpo humano. Os alunos ficavam numa rodinha, sentados no chão e a professora passava cada parte do frango numa bacia para observarmos e nos explicava as funções de cada uma. Sempre amei as aulas de Ciências, tanto que meu primeiro vestibular foi para Biologia. Ainda é uma área que gosto muito.
Ainda na quarta série, lembro-me de um livro, do qual não tenho certeza, mas acho que se chamava “ O Barquinho amarelo”. Era a história de um menino loiro que fazia um barquinho de papel e o colocava na água. Era uma história curta e que eu me lembre foi o primeiro livro literário oferecido pela escola para a leitura. Meus pais tiveram pouca escolaridade e em casa não tínhamos muitos livros infantis, por isso meu contato com livro literário foi basicamente na escola.
Da 5a a 8a série estudei na Escola Classe 2 da Candangolândia, hoje Centro de Ensino Médio. Nessa etapa li muitos livros. Alguns da coleção Vagalume, como “O mistério do Cinco Estrelas” que me envolveu bastante com seu suspense. Outro que gostei muito foi “Açúcar Amargo”, história de uma menina bóia-fria que trabalhava num canavial do interior de São Paulo. Um livro que fez muito sucesso entre as meninas foi “A marca de uma lágrima” e que eu também gostei e sofri muito com a personagem. A partir da sétima série passei a descobrir meu gosto pela escrita. Uma professora que me marcou foi a Delenir, de Português, a qual valorizava nossas produções e nos incentivava a escrever. Até hoje tenho um caderno de redação usado na sétima série, com produções diversas. Fico rindo da minha caligrafia e dos meus “erros” de grafia. Na oitava série a turma teve que ler um livro que tinha o título “A irmã de Simplício”. Creio que foi alguma doação que a escola recebeu, pois tinham vários exemplares e era um livro de edição bem antiga. O que me marcou na leitura desse livro foi o fato de ter meu sobrenome. Foi uma gozação na turma, já não bastava o tanto que tive que agüentar com a professorinha Clotilde e o Sassá Mutema. Mas enfim, era uma história bonita e triste. Às vezes me acho um pouco melancólica, pois até hoje gosto de histórias tristes e de sofrimento. Também na oitava série li alguns clássicos da literatura brasileira, como O cortiço, Um certo capitão Rodrigo, Iracema e outros.
Nessa escola havia uma biblioteca na qual pegava livros emprestados e fazia pesquisas e trabalhos. Era uma biblioteca organizada e com um acervo razoável. Lembro que houve uma votação para a escolha do nome dela e o nome vencedor foi Rachel de Queiróz. Algo que me marcou bastante na oitava série foi um livro que escrevi. A professora de Artes propôs que cada aluno produzisse uma história, isto é, um livro. O meu se chama “A liberdade de um amor” e ainda o tenho guardado e penso em algum dia editá-lo, quem sabe... Mas o que me fez guardar com carinho esse livro foi uma mensagem que a professora escreveu nele. Aliás, foi isso que fortaleceu meu gosto pela escrita. É bom quando nós professores percebemos o quanto é importante o papel do educador na formação dos leitores e escritores. Um pequeno elogio pode fazer uma grande diferença, e uma crítica mal feita pode acabar com um futuro escritor. Até hoje gosto de escrever, mas sei que tive sorte em encontrar professores que me incentivaram.
Do Ensino Médio tenho muitas recordações maravilhosas, pois fiz magistério na Escola Normal de Brasília de 1993 a 1995. Tive o privilégio de estudar com excelentes professores, inclusive há alguns dias, encontrei uma professora que trabalhou lá que me revelou que naqueles anos a escola estava recebendo um bom grupo de docentes, com uma ótima formação, além de passar por mudanças em seu Currículo. Por incrível que pareça não tenho muitas lembranças das leituras que fiz nesse período, aliás, lia muitos textos acadêmicos, na área de pedagogia, mas não me lembro de ter lido muitos textos literários. Fiz a leitura do livro “Capitães da areia”, de Jorge Amado, o qual não tive uma boa impressão e por isso ainda hoje não tenho interesse pelas obras desse escritor. Li também “Olhai os lírios do campo” e gostei muito. Uma professora que me marcou foi a professora de Biologia, Diana, a qual me deu aula no primeiro ano. Tínhamos aula no laboratório onde fazíamos estudos com microscópio. Eu achava o máximo, conseguir ver algo invisível como as células. Admirava tanto aquela professora, seus cabelos negros como os da Perla – cantora que marcou minha infância – e uma mulher tão inteligente. No entanto, um dia tive uma triste notícia: a professora Diana havia se suicidado. Não consegui acreditar, ficava pensando, aquela mulher tão linda e competente, tão bem sucedida, não poderia ser possível, então me questionava várias coisas que só entendemos em determinado tempo da nossa vida, ou às vezes nunca.
No magistério tinha bastante contato com literatura infantil e lá já se falava em preconceito lingüístico nas aulas de Didática da Linguagem. Foi um período de muito aprendizado e amadurecimento, tanto pessoal como profissional. A Escola Normal de Brasília, da qual brincávamos ser anormal, deu-me também algo de muito precioso, minhas melhores amigas, com as quais sempre fazia trabalhos e seminários. Não foi só na graduação que fui fazer seminários, já no magistério tínhamos muitos trabalhos nesses moldes, afinal, estávamos nos formando professores de pré à quarta série. Estudávamos Química e Física somente no primeiro ano. E essas eram as disciplinas as quais achava inúteis. Mas hoje, sei que são importantes, a forma como o professor ensina é que muitas vezes faz acharmos que são desnecessárias.
Bom, antes de chegar na graduação não posso deixar de falar de um professor de cursinho que me encantou e despertou uma grande paixão pela literatura, o professor Zé Roberto. Ele me apresentou a fantástica Clarice Lispector. A propaganda dele foi tão boa que logo comprei o livro “A hora da estrela”, do qual sou apaixonada. Ele dizia que para ler Clarice era preciso estar nu e totalmente despojado de si. A história de Macabéa me marcou. Mais uma vez uma história triste que mexeu comigo. Esse professor teve uma forte contribuição na minha decisão em fazer Letras.
Na graduação, cursei os dois primeiros semestres na Católica, onde tive o imenso prazer em ter aula com uma professora também apaixonada pela literatura, a Lívila. No terceiro semestre fui para a UnB. Um dos livros que gostei muito foi “Os sofrimentos do jovem Werther”, de Goeth. Também gostei muito de “Crime e castigo” e “Macário”. O que achei inusitado na graduação foi o individualismo. Não só porque sou um tanto quanto idealista, mas estava acostumada com o trabalho em equipe e depois tive que aprender, e ainda estou aprendendo, a produzir de forma individual. É claro que há parcerias mesmo que implícitas, mas é como se a partir do Ensino Superior a relação deixe de ser de parceria e passa a ser de concorrência. Essa é a parte chata de se tornar adulto num mundo capitalista. A própria maneira em que as turmas são dispostas já impede a unidade e a formação da equipe. Por isso que quando chegamos numa escola para exercer nossa profissão é tão difícil conseguir realizar um trabalho que envolva toda a comunidade escolar. Não aprendemos a trabalhar juntos em prol da mesma causa, pois cada professor tem um objetivo diferente e é isso que dificulta o alcance de tantas metas impostas pelas instituições do estado. Acredito muito no trabalho em grupo e desafio qualquer pessoa a me provar que o trabalho individual é mais eficaz e produtivo.
O curso superior deu-me um bom suporte profissional, mas foi na experiência em sala que pude colocar esse aprendizado na prática e pude descobri também que não posso parar nele. O trabalho como professora exige que estudemos continuamente e que estejamos sempre prontos a aprender algo novo. Dessa forma temos o valor da formação continuada, a qual nos permite nos avaliar e reconstruir nossa prática. Com a leitura, a cada dia aprendo mais e isso é que a torna encantadora e cheia de riquezas, pois:
A cada texto lido,
a cada material escrito,
temos um sentimento vivido.
Seja de dor
Seja de amor.
Não importa,
é no sentir
que se abrem portas.
Clotilde
2 comentários:
Clotilde, que lindo! Sua bagagem profissional é diversa.Seus alunos devem ficar encantados com toda essa riqueza de trabalho.
Parabéns!
Luzia
Linda trajetória!
Patrícia Vieira
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